Somos diferentes, tu e eu.

     Um texto de Fernando Veríssimo. Leia!


Somos diferentes, tu e eu.

Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães o mais leve.
És vidrada no Lobo
eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo

Luis Fernando Verissimo.

Fonte: Thirusso.blogspot.com


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Quando a relação é boa, não importam as palavras usadas

      Encontrei um texto muito interessante no MovidoAVapor.com. Espero que gostem!




Relações gramaticais

      Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.


      Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

      O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

      Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

      Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

      Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

      Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

      Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

      Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
      
      O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Fonte: MovidoAVapor.com




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Começando

     Este blog, como dito antes, vem com o intuito de reunir alguns textos interessantes sobre assuntos diversos. De textos de humor a reflexivos, criativos a super elaborados, mostraremos que um texto pode ser desde aquela prova chata e entendiante até algo fascinante, que pode causar absolutamente tudo, dependendo de como você utiliza o papel e a caneta. E para mostrar isso na prática, aqui estará disposto uma coleção de textos das pessoas que melhor souberam utilizar o potencial das palavras. Para integrar a equipe do blog, muito prazer, Paula Souza.

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O engano

      Um texto que transporta o interlocutor para uma situação desencadeada por um engano. Bem divertido!




O engano

      Um estudante, em viagem ao interior, ao passar por uma loja, entrou e comprou um presente para sua namorada. Escolheu um lindo par de luvas e solicitou um embrulho. Na hora de embrulhar, a moça cometeu um engano: trocou o par de luvas por uma calcinha. O estudante, não tomando conhecimento, mandou o embrulho e a seguinte carta:

      "Vitória, 5 de maio de 1976.

      Querida,

      Sabendo que no próximo dia 12 é o seu aniversário, resolvi mandar-lhe um presente; sei que irá usar, pois todo o tempo em que estivemos juntos, nunca a vi usando. Não sei se você vai gostar da cor e do modelo, mas a moça da loja experimentou e ficou boa.

      É um pouco larga na frente, mas ela disse que era para a mão entrar melhor e os dedos moverem-se mais a vontade. É bom que, depois de usá-la, vire-a ao avesso e ponha um pouco de talco para evitar o mau cheiro. Espero que goste, pois vai cobrir aquilo que irei pedir-lhe um dia.

      Aqui termino, mandando um beijo bem profundo naquilo que o presente irá cobrir"

Fonte: AlgoSobre.com (com adaptações)


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Para início de conversa...

      Parece que nunca se escreveu tanto como hoje. Afinal, tendo um computador à disposição, encontramos inúmeras maneiras de divulgar opiniões e mesmo criações por escrito em espaços que vão desde os sites de relacionamentos com suas mensagens instantâneas até os já conhecidos blogs. Entretanto, quanto maior a quantidade de textos, mais difícil é encontrar aqueles que realmente impressionam, seja por sua qualidade estilística, seja por sua criatividade ímpar. Para facilitar o acesso a eles, foi criado este blog, através do qual serão divulgadas as melhores criações encontradas – ou às vezes produzidas - por nós no vasto território da web. Aproveitem!
Iago Caires.

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Uma mentira criativa

      Por seguir uma ordem coerente e lógica das situações, esta é uma redação que estimula a imaginação e envolve o interlocutor. Vale a pena ler!




      Queridos pais,
      Eu estou indo mais ou menos, mas sempre pensando positivamente e esperando por dias melhores. Por favor, não reparem na minha letra, estou escrevendo com a mão esquerda, pois a direita está engessada devido às fraturas que sofri na queda de moto esta madrugada. O meu namorado, coitado, perdeu a perna e está sendo processado pela família da velhinha que atravessava a rua no momento em que desrespeitamos o sinal. Há males que vêm para o bem, pelo menos, descobri que ele era casado, pois a mulher dele veio até o hospital e deu um tremendo escândalo só porque fazia uma semana que ele não aparecia em casa para cuidar de seus oito filhos.
      Quando acordei do processo de desintoxicação, não entendi o porquê do médico me dar parabéns e só agora repasso pra vocês. Daqui a quatro meses vocês serão avós... A única complicação que os médicos vêem é que o parto terá que ser cesária devido à herpes genital que contraí não sei de quem.
      Outra preocupaçãozinha que tenho é com relação a uma dívida que me obrigou a vender o carro que vocês me deram no natal, mas mesmo assim não deu pra pagar tudo. Tenho que pagar também pelo exame de paternidade, pois o meu ex-namorado alega que o filho não é dele, mas sim do seu irmão, que também é casado...
      Por causa de tudo isso fui obrigada a derreter aquela medalha de ouro que foi da vovó e com isso só estão faltando R$10.000.00 para eu ficar quite com os devedores mafiosos.
      Fui acusada injustamente de contrabandear crianças para a Suiça e talvez tenha que passar uns meses na cadeia, devido à cocaína que apreenderam no meu bolso durante o acidente de moto. Posso lhes garantir que alguém a colocou lá, assim como devem ter colocado o contrabando de armas no meu apartamento, quer dizer, ex-apartamento.
      Mamãe e papai, se ainda estão vivos, fiquem calmos. Isso tudo é uma brincadeira. A única verdade é que passei no vestibular e minha redação foi classificada entre as melhores. O tema? Uma mentira criativa. Essa é a cópia do texto!

Fonte: Portal Impacto


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O mau uso da língua

      Palavras selecionadas e idéias coerentes dão elegância à este texto, classificado como primeiro lugar em um concurso de redações promovido por um grande jornal de Belo Horizonte - MG.




O mau uso da língua
      A língua não tem osso; daí vem o abuso que dela fazem.
      Fala-se por necessidade, por hábito, por vontade. Fala-se com convicção ou por ignorância; com sinceridade ou má fé; como homem ou papagaio; racional ou brutalmente. Fala-se sempre.
      Para certa gente, deixar de falar seria martírio, suplício, purgatório.
      Sentir a língua dentro da boca e não mexer com ela, ou mexer com ela e não fazer barulho... que desapontamento horrível para uma tagarela de profissão, que faz da língua seu alimento, a sua distração, a sua companhia!
      Há por aí línguas mais salgadas do que as que vêm do Rio Grande; mais afiadas que navalha; mais movediças que cata-vento; mais daninhas que ninhada de ratos em despensa bem sortida.
      O elefante tem tromba, o boi chifres, o lobo dentes, a pantera garras, a víbora veneno, mas o homem tem a língua para se defender melhor.
      A língua que serve para cantar a alegria e fazer ouvir os acentos da dor, é muitas vezes pregoeira das fraquezas alheias e quase sempre imprudente reveladora do que deveria ficar oculto, origem de intrigas, discórdias que vêm trazer resultados quase sempre funestos.
      A língua do sábio tem o cunho da sabedoria. A língua do ignorante tem a volubilidade da língua caturrita. A primeira move-se pouco para dizer muito, a segunda move-se muito para não dizer nada.
      Uma é afirmação da verdade de que a outra é negação.
      Há línguas de "ouro", de "prata", e até de "trapo"! Destas, a abundância é maior.
      Falar, falar e falar sempre é a questão do dia.
      Fala-se na igreja, em público, em particular, às claras, às escondidas. Fala-se verdade, mentira, de Deus, dos homens, de todos, de tudo!
      Chova ou vente, haja sol ou sombra, a língua gira em torno da boca como uma roda gira no eixo. Ninguém escapa à apreciação do homem sensato ou à tesoura de qualquer refinado maldizente.
      O que vestimos, o que comemos, o que fomos, o que somos e o que seremos - são temas que se prestam às variações de qualquer rebequista da moda.
      Se engordamos ou emagrecemos, se somos alegres ou tristes, bons ou maus, felizes ou desgraçados, procurados ou repelidos, inteligentes ou broncos, a língua de um ou mais parladores se incube de discutir e de esmerilhar com zelo e a atenção que o caso pede.
      Não é raro ver-se um magricela que parece gafanhoto, censurando a magreza de outro, um caolho criticando um cego, ou um idiota a falar pelo nariz contra as misérias do próximo. Sempre a "rir-se o roto do destroçado e o sujo do mal lavado".


(Primeiro lugar em um concurso de redações promovido por um grande jornal de Belo Horizonte - MG.)




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